sábado, 18 de abril de 2009

Augusto Boal para o Dia Mundial do Teatro

Todas as sociedades humanas são espetaculares no seu cotidiano, e produzem espetáculos em
momentos especiais. São espetaculares como forma de organização social, e produzem espetáculos como este que vocês vieram ver.
Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de idéias e paixões, tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro!
Não só casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais cotidianos que, por sua
familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só pompas, mas também o café da manhã e os bonsdias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião
diplomática – tudo é teatro.
Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espetáculos da vida diária
onde os atores são os próprios espectadores, o palco é a platéia e a platéia, palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver tão habituados estamos apenas a olhar. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida cotidiana.
Em Setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que
pensávamos viver em um mundo seguro apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com nosso dinheiro guardado em um banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da Bolsa - nós fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas de suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias.
Vinte anos atrás, eu dirigi Fedra de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre; no chão,
peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espetáculo, eu dizia aos meus atores: - “Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida”.
Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades,
etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida.
Assistam ao espetáculo que vai começar; depois, em suas casas com seus amigos, façam suas
peças vocês mesmos e vejam o que jamais puderam ver: aquilo que salta aos olhos. Teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida!
Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a
transforma!
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Augusto Boal
Publicado no site de Centro do Teatro do Oprimido - CTO Rio (www.ctorio.org.br)

Augusto Boal nomeado embaixador mundial do teatro pela UNESCO

Na noite do dia 25 de março, o teatrólogo Augusto Boal foi nomeado embaixador Mundial do Teatro pela UNESCO. A mesa foi presidida pelo Presidente do Instituto Internacional do Teatro, Ramendu Majumdar, de BanglaDesh. O mestre de cerimônias foi o suíço Tobias Biancone, secretário geral do International Theater Institute - ITI, pela embaixada do Brasil falou o adido cultural Heitor Granafei.
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A fala de abertura foi de Françoise Rivière, subdiretora geral da UNESCO para a Cultura. Além destes que discursaram sobre Boal e seu trabalho no mundo, falaram também Ali Mahdi, Jean Pierre Guingané (Burkina Daso), Thomas Engel (Alemanha) e o próprio Tobias Biancone.
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Entremeando os discursos laudatórios, foram apresentados filmes sobre o Teatro do Oprimido no Sudão, Índia e Brasil. Houve ainda uma apresentação prática de Teatro Fórum, com participação da platéia, feita pelo Groupe de Théâtre de l'Opprimé do qual faz parte Julián Boal. Encerrando a cerimônia, Boal foi nomeado Embaixador Mundial do Teatro pela UNESCO, em companhia de outros seis que já eram embaixadores: Ellen Stewart (La Mamma de Nova York), Arnold Wesker (UK), Wole Soyinka (premio Nobel, Nigéria), Anatoly Vassiliev (Russia), Vigdis Finnbogadottir (Islândia) e Girish Karnad (Índia).
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Após a cerimônia houve um coquetel, quando foi distribuído um folheto contendo as 45 traduções da mensagem de Boal para o Dia Mundial do Teatro, em línguas que vão do inglês ao bengali, do estoniano ao coreano, do árabe ao chinês, persa etc. Segundo os organizadores foi a primeira vez em 50 anos que o auditório da UNESCO ficou lotado no Dia Mundial do Teatro.